segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

JORGE


Filho de Ogum, batizado no terreiro de Mãezinha da Ladeira, Jorge era considerado em sua comunidade como um benfeitor. Apesar de apenas um simples operário da construção civil, estava sempre pronto a  ajudar seus vizinhos e amigos. Não havia laje naquela localidade que não tivesse sido levantada sem a ajuda desse homem de fé. Todas as sextas-feiras, usando uma camisa branca, impecavelmente lavada por sua companheira, Jorge caminhava até o terreiro de Mãezinha. Era ali naquele templo que ele refazia  as forças.
Com suas mãos fortes,  repicava os tambores, louvando cada orixá. Sua voz potente ecoava pelo terreiro, levando ao transe os médiuns menos preparados.
Assim era a sua vida: muito trabalho, ajuda aos amigos, louvores aos orixás, uma cervejinha vez em quando e o amor de sua companheira. Tudo podendo ser resumido em suor no trabalho, convívio com os amigos,  bater dos tambores e amor  nas noites de sexo.
Numa sexta-feira do mês de abril, próximo ao dia do seu padroeiro Ogum, Jorge esbarrou com Silene. Na realidade, eles se esbarraram quando tentavam entrar num ônibus lotado. Foi um daqueles encontros que deixam as pessoas coladas uma na outra. Silene e Jorge sentiram que uma corrente elétrica atravessou seus corpos. Foi como pisar em fio desencapado com os pés descalços. Ela, filha de Iansã, feita no santo desde garota, sentiu a atração de Ogum. Casamento perfeito. Espadas e trovões cruzaram os céus selando naquele momento seus destinos.
Desde aquele dia, não conseguiam viver mais um sem o outro. Os amigos de Jorge em pouco tempo perceberam que ele já não mais se apresentava como voluntário para erguer paredes e nem virar concreto. Em seu terreiro já não cantava tão forte e nem os tambores  vibravam com tanta harmonia. Em sua casa, as noites de amor  não aconteciam. Sua companheira começou a sentir que seu amor  não era o mesmo. Chegava tarde. Falava pouco. Seu olhar distante denunciava algo  mudado.
Numa noite, Jorge e Silene encontraram-se e, como sempre, raios e espadas cruzaram o espaço travando uma luta sensual, onde o sexo era apenas parte de um encontro que ia além deste mundo. Eles faziam amor numa atmosfera mística,  seus corpos eram apenas objetos de uso de forças que nem eles conseguiam controlar. Era fogo e ferro. Ferro e fogo. Espada e raios. Raios cortando os céus. Espadas cortando as carnes. Consumidos pela própria essência do amor.
                                                       Edison Borba


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