Apesar da idade, ele ainda guardava traços de beleza. Cabelos grisalhos, ligeiramente desalinhados, lhe conferiam um ar de menino travesso. Seus olhos castanhos e cílios longos podiam ser vistos através das lentes de seus óculos, que lhe conferiam um ar respeitável e o tornava mais atraente e sensual. Houve época, que ele se achava irresistível. Uma atitude narcisista, que ainda conservava. Existia naquele homem algo de sedutor, capaz de envolver a todos que se aproximam dele. Sempre discreto em suas atitudes, nunca se importou com os comentários que faziam sobre a sua vida. Solidário, estava sempre disposto a colaborar com as mais diversas causas sociais. Usando de diplomacia, conseguia estabelecer a paz e o equilíbrio, diante de problemas complexos, surgidos em sua comunidade.
Um homem estranho, constantemente era visto sozinho em teatros, cinemas, salas de concerto e em mesas de bar. Gostava de caminhar pelas ruas de sua cidade.
Durante muito tempo deslizou entre os mais diversos grupos sociais. Sempre teve entrada garantida entre os intelectuais de esquerda e os mais conservadores. Acolhido pelos vagabundos e prostitutas, circulava entre eles nas madrugadas, de bar em bar.
Os religiosos faziam questão da sua presença, convidando-o, sempre que havia uma celebração importante. Não importando o tipo de fé ou culto, ele era recebido por todos.
Após tantos anos, estava ele sentado naquela mesa de bar, olhando fixamente para o seu uísque com água e gelo. Seus dedos deslizavam pela borda do copo, traçando círculos intermináveis. Parecia uma criatura sem memória, sentado sozinho olhando o suor que o gelo provocava na parede externa do copo. As gotas escorriam e formavam pequenas poças de água sobre o mármore da mesa.
Sem dúvida, ainda era um homem irresistível. Sua camisa desabotoada permitia ver seu corpo moreno. Na face, pequenas rugas escreviam um pouco da sua misteriosa história. Distraidamente, passou as mãos pelos cabelos num gesto que se repetia constantemente e propositadamente como se quisesse provocar admiração entre as mulheres e inveja entre os outros homens. Vagarosamente, se inclinou e num gesto estudado levantou o copo e molhou suavemente os lábios.
Aquela cena se repetia como num ritual. Ele chegava, pedia um uísque com gelo e ficava ali, horas e horas, perdido em seus pensamentos. De vez em quando levantava a mão e o garçom sem dizer palavra, seguia para a mesa e o servia de mais uma dose. Mas aquela noite era especial. Parecia que ele viera até o bar para se despedir, para exorcizar fantasmas do passado. Seu velho e bom amigo o garçom, sabia que sua viagem estava terminando, e com lágrimas nos olhos lhe serviu a última dose.
Sua morte aconteceu dias depois. Da mesma forma como sempre viveu, morreu enigmaticamente, sem que a causa fosse revelada. Sua imagem dissolveu-se lentamente nas lágrimas de seus admiradores. Seu cortejo fúnebre atravessou a cidade sob um forte sol de verão. Um vento suave espalhava comentários sussurrados sobre aquele homem que mesmo tendo conquistado muita gente, sempre viveu completamente, sozinho.
Edison Borba
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