Na
sala do meu pequeno apartamento, exibo com orgulho um televisor de trinta e
duas polegadas, comprado nas Casas Bahia, através do meu cartão de crédito, em
dez parcelas sem juros. Já liquidei quatro, faltam apenas seis. Que alívio!
Sinto-me
um cidadão feliz, sentado no meu sofá de três lugares, coberto por uma linda
capa colorida. Esse útil protetor de estofados foi adquirido nas lojas C&A,
onde usei meu anjo comprador, o cartão. Custou uma bagatela, dividida em quatro
vezes, sem juros. Só a primeira parcela foi liquidada. Hummm! Preocupante!
Deslizo
pelo meu “apartamentículo”, e em cada cantinho, uma recordação, uma saudade uma
dívida a ser resolvida, uma parcela a ser quitada.
Na
cozinha, minha geladeira, orgulhosamente
exibe um belo pinguim sobre seu teto. Essa estatueta, foi presente de uma
grande amiga, Amelinha, que também é adepta, ou refém, dos cartões. Eu e “Melinha”
somos muito unidos, nas alegrias e nas prestações, nos débitos e nos créditos.
Compramos nas mesmas lojas! Nossa amizade é tão forte quanto os nossos juros.
Faltam
apenas duas prestações para que a Brastemp, seja totalmente minha. Guardo na gaveta o carnê de pagamentos, do Ponto
Frio, o bonzão. Conto os dias para não atrasar! Deus há de me ajudar não ter meu nome incluído na lista de maus
pagadores. Aleluia!
Sou
um cidadão realizado. Pago meu condomínio, com atraso de apenas um mês, porém
as contas de luz, gás e telefone estão sempre em dia. Meu plano de saúde (ou
será de doença) é resgatado pontualmente. Vai que aconteça ...???? Nem
pensar!!!
Sou
precavido, com saúde não se brinca. E para me manter sempre saudável tenho
liquidificador, espremedor de frutas, cafeteira, torradeira e vários outros
utensílios, adquiridos via internet em
parcelas, tudo no cartão de crédito. É apenas mais uma dor de cabeça, suavemente suportável!
Estou
tentado a adquirir um novo computador, um note book e um tablet para me manter atualizado. Todos os meus amigos já
possuem esses incríveis meios de
comunicação. Eu não posso ser diferente. Quero me manter em dia com milhares de
informações que jorram pelas telinhas destes demônios eletrônicos. Jesus!!!!!
Meus
três celulares já estão pagos. Mês passado, liquidei a última parcela. Que
felicidade poder ligar e ligar indefinidamente, usando aquele plano de chamadas
intermináveis. Graças aos comerciais, entrei num plano sensacional, e agora posso
conversar com o mundo! Que maravilha ter amigos na China e na Sibéria.
A
conta telefônica? Essa também é interminável, mas sempre arranjo uma forma de manter
pequenos e planejados atrasos no pagamento. Deus me
ajuda a continuar fazendo ligações!
E
assim, vou vivendo de cartão em cartão. De parcela em parcela. De atraso em
atraso. Levando sustos, mas sendo um cidadão que não fica parado no tempo. Eu
sou um investidor! Sinto-me um empreendedor! Invento desculpas. Crio soluções e
mudo de cartões. Isso se chama criatividade, ou será malandragem?
Meus
empréstimos reduzem meu magro salário, a um regime cada vez mais cruel. Estamos,
eu e ele, tão magrinhos, que qualquer dia, entraremos para o Guiness Book.
Apesar
de todas as complicações financeiras, sou feliz! Tenho de um tudo em meu lar.
Trabalho a semana toda, e divirto-me nas noites de sexta-feira, estico na Lapa,
usando roupas de marca (qualquer marca), pois o importante é acontecer e saber “cartonear”,
isto é, usar diversos cartões, pulando
de operadora em operadora.
Tenho
vários tipos de cartões: crédito, débito, cliente especial e de bancos. Esses
deuses de plástico me ajudam a ser um cara descolado e incluído em todos os
ambientes desta cidade maravilhosa. Sou aceito por qualquer tribo. Minha carteira
está repleta de sonhos. Não dependo das moedas e das cédulas, tenho mais vida e
mais opções, graças aos meus cartões.
As
dívidas vão rolando e rolando, enquanto em vou enrolando e enrolando.
Bons
tempos os de hoje, em que um homem se faz pela quantidade de cartões que possui
e a capacidade de driblar as dívidas sem perder o bom humor.
Cartão
é vida! Cartão é inclusão! Cartão é charme! Cartão é F ...
Edison
Borba
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