Em
torno do caixão, muita gente se
acotovelava para ver Zelindo, pela última vez.
A
explicação para toda essa confusão se relacionava à herança do morto. Zelindo
foi um dos ganhadores do prêmio máximo da loteria de Natal.
Homem
simples e fiel aos seus hábitos passou
muitos anos jogando sempre os mesmos números. Tanta fidelidade lhe rendeu uma
bolada em reais. O grande problema, é que ao saber da premiação, o sortudo teve
um colapso e morreu.
Solteiro,
morando sozinho numa pequena casa do subúrbio, nunca recebera a visita de
ninguém que se identificasse como seu parente.
Funcionário
público trabalhava como ascensorista numa repartição. Durante mais de vinte anos conduziu o elevador
para cima e para baixo, sempre com paciência.
Não
tinha amigos, apenas alguns colegas de trabalho, sentavam-se ao seu lado na
hora do almoço. Era um solitário. Apenas o seu cão, chamado Valente, lhe fazia
companhia. Ele e o vira-lata eram inseparáveis. Apesar do baixo salário,
Zelindo nunca deixou faltar ração, cuidados com veterinário e outros luxos que
ele dedicava ao seu fiel companheiro.
Durante
o velório, os comentários eram sobre quem ficaria com a fortuna. Algumas
pessoas se arvoravam em afirmar que eram amigas íntimas do falecido. Houve até
quem arriscasse um parentesco. Um cara baixinho chorava bastante se dizendo
primo do defunto.
As
despesas do enterro foram custeadas pela repartição para a qual ele prestara
serviços por tantos anos. Seu chefe, um senhor gorducho, a secretária gostosona
e alguns colegas se debulhavam em lágrimas sobre o caixão, demonstrando grande
sentimento. Aliás, eram os mais fortes
candidatos a uma fatia da herança. Alegavam a relação diária, o carinho com que
tratavam o Zé, lembravam fatos íntimos para comprovarem a forte amizade que havia entre todos eles. A
secretária gostosona, com os olhos vermelhos, até deixou escapar um possível
“love” que havia rolado entre os dois.
E
foi nesse clima de tristeza e constrangimento que o caixão foi fechado e
conduzido até o cemitério. Nunca se vira na história, um morto com tantas mãos
querendo segurar as alças da caixa mortuária. Houve até um princípio de
tumulto, quando o baixinho gritou: “o
dono do defunto pega na cabeça”. Nessa hora uma multidão correu para segurar na
alça colocada na dianteira do sarcófago. Foi necessária a intervenção do padre
Juca, para que a confusão não tomasse conta do local. Uma multidão, só vista em
enterro de artista, acompanhou Zelindo à sua última morada.
Durante
a caminhada, pelo cemitério, entre covas e jazigos, ouviu-se uma voz forte e
grave chamando por Zelindo. O susto foi geral. De onde partira aquela voz. Os
mais religiosos, ajoelharam-se e começaram a rezar, os medrosos correram e os
curiosos queriam saber quem havia chamado pelo
defunto.
Padre
Juca, com um rosário nas mãos pedia, calma.
E controlando a emoção, perguntou quem estava brincando num momento
tão sério. Foi então, que apareceu ofegante o dono da loteria, onde o jogo
havia sido feito.
Com
uma folha de jornal nas mãos gritava Zelindo, você ganhou, mas não levou. Padre Juca, usando de sua autoridade
eclesiástica, exigiu uma explicação para tamanha confusão.
Genovino,
após acalmar-se, explicou que o prêmio havia saído para centenas de
apostadores. Sendo assim, Zelindo só receberia alguns míseros reais. Portando,
o morto, além de morto continuava pobre.
Imediatamente o cemitério ficou vazio. A galera
saiu rapidamente, deixando o caixão sozinho.
Apenas Valente, o fiel cão permaneceu junto a seu amigo, esperando que
uma alma bondosa, levasse o caixão para o seu endereço eterno.
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