A bota de um soldado encontrou-se casualmente com a sandália de um
surfista. Tentando uma aproximação e até uma futura amizade, fez observações
sobre a sua vida. Apresentou-se como patriota.
Contou das façanhas que havia praticado. Falou das batalhas e das guerras. Da
coragem que era preciso ter para calçá-la.
Passando pelo local, o
sapato de um empresário, parou para argumentar, na perda de tempo daquela
discussão. As duas paradas na calçada, jogando conversa fora enquanto ele o
sapato, se dirigia para a empresa. Ele sim era importante, trabalhava num
escritório, comandava diversas botinas de couro ruim, algumas com buraco na
sola. Com ele, todos andavam muito o dia todo, todos os dias. Era necessário
produzir, mesmo causando calos nos pés que as calçavam. Mas, ao final de cada
mês os lucros subiam.
O bate - boca já se
tornava intenso, quando uma saltitante sapatilha, que passava no local, indo
para o teatro, pediu para dar a sua opinião.
A linda sapatilha cor
de rosa, nas pontas, fez uma pirueta e simplesmente afirmou: eu sou a mais
importante, porque represento a arte. Todas as noites uma plateia maravilhada
me aplaude. Sou famosa, faço as pessoas felizes.
O rebu já estava complicado, quando uma chuteira, parou o seu
moderno carro, e descendo até a calçada, pediu a palavra. Mandou que todos
olhassem para o seu veículo importado. Ela a chuteira, estava por cima, todas
as crianças, meninos e meninas, queriam calçá-la. Ela se tornara o símbolo da
riqueza e do poder. Até na moda já
estava influenciando. Cabelos eram moldados nos salões de beleza por outros
calçados que sonhavam com o seu status.
E assim a bota, o
sapato, a sapatilha e a chuteira discutiam acaloradamente sobre as suas importâncias.
Quem era a mais famosa. Quem era a mais poderosa.
Sem que os vaidosos percebessem, a sandália caminhou pela praia e
mergulhou nas águas azuis do oceano. Fez malabarismos entre as ondas. Flutuou
na maré e voltou ao local do sururu. Molhada pela salgada água sabiamente
falou: todos nós somos importantes, desde que não pisemos nós outros calçados,
não apertemos os pés de quem nos usa, formando doloridos calos. Todos nós
precisamos de pelo menos um dia de liberdade para um mergulho no mar, num rio,
numa piscina ou “piscinão”, fazer um
passeio no parque, gozando a vida sem medo e preconceitos.
Cada um com sua
utilidade e sem futilidade, podemos gozar da felicidade que a liberdade permite.
Edison Borba
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