Sua voz era considerada estupenda. Um timbre
inexplicável. Não era possível classificá-la como sendo de um tenor ou barítono e muitas vezes, quando a
melodia exigia, se tornava um baixo. Os graves conseguidos arrepiavam os que
tinham o prazer de ouvi-lo.
Era um cantor da noite, desses que cantam por
prazer entre drinks, sorrisos, conversas sussurradas e algumas vezes até uma
gargalhada estridente. Diante do microfone, nada o incomodava. Era possível
vê-lo absolutamente imerso em seu mundo. Alguns frequentadores assíduos daquele
bar, afirmavam que ele cantava para os anjos, ou para o além. Nada o tirava do
compasso musical.
O tempo passando e ele independentemente do
conjunto musical ou orquestra que o acompanhava, cantava e cantava cada vez
melhor.
Uma noite, antes de começar a sua apresentação,
teve a curiosidade de olhar os frequentadores da casa noturna. Através da
cortina, viu sentada numa mesa bem em frente ao palco, uma mulher de pele alva
e cabelos ruivos. Sozinha, tendo como companhia uma piteira dourada, com a qual
deixava bailando no ar nuvens de fumaça, uma taça e uma garrafa de champanhe.
Aquela visão o deixou intrigado. Quem seria? Ele que nunca se preocupara com a
platéia, sentiu que aquela noite seria
diferente.
E foi sob essa sensação que iniciou
a sua apresentação.
A primeira música, uma balada romântica, cantada em
voz sussurrada, para criar um clima apaixonado entre os clientes do bar. Aos
poucos o repertório desvendava músicas mais pungentes, até chegar àquelas que
exigiam mais de sua voz.
Durante o espetáculo, havia um momento para que os
músicos se apresentassem. Cada um deles, ao ouvir seu nome, aproveitava alguns
momentos de sucesso. Logo a seguir, o retorno triunfal do cantor para as
últimas canções e finalmente os aplausos.
Foi quando os músicos se apresentavam, que a bela mulher desapareceu, deixando a
mesa vazia. Apenas a garrafa e a taça com champanhe, continuavam ocupando a
solitária mesa.
Ao voltar e não encontrando a estranha dama, sua
voz não foi emitida como sempre acontecera. Falhou nos agudos e nos momentos em
que se exigia emoção, ele não conseguiu transmitir a sua paixão em cantar. O
público, apesar de ser pouco exigente, afinal muitos estavam ali para
beber e conversar, percebeu a diferença
em sua apresentação.
Cortinas cerradas, ele se dirigiu para o seu
camarim, entre murmúrios dos componentes
do grupo musical e até entre os garçons. Cabeça baixa e sem entender o que
havia acontecido, entrou em seu refúgio. Sem coragem para acender as luzes e
olhar sua imagem no espelho, sentou-se no sofá e deixou as lágrimas brotarem de
seus olhos.
E foi imerso
nesse mundo de solidão e tristeza, que ele ouviu seu nome ser murmurado. Era
uma suave voz feminina vinda do lado oposto do sofá em que ele estava sentado.
Assustado, limpou o rosto e imaginando ser uma alucinação, tomou coragem,
levantou-se e acendeu as luzes do camarim.
A claridade fez surgir diante dele à imagem da
mulher de cabelos vermelhos. Assustado diante daquela aparição, não conseguia
falar. Aproveitando-se da sua incerteza ela delicadamente, lhe ofereceu o seu
cigarro.
Ainda confuso com aquela aparição, aceitou a
oferta, e se permitiu tragar aquele cigarro, como se fosse o último de sua
vida.
E assim, sem dizer palavras, ficou alguns momentos olhando para aquele rosto de
pele branca emoldurado pela cor dos cabelos.
Entre os dois apenas a fumaça do cigarro, que dava
ao encontro um ar ainda mais misterioso.
Com movimentos lentos, como de uma gata, ela se
aproximou e lentamente aproximou seus lábios dos dele e suavemente iniciou um
beijo. O cantor se deixou levar por aquele encantamento e entregou-se sem
nenhum repúdio. Aos poucos se sentiu
inebriado pelo perfume e pelos lábios, que o deixaram absolutamente sem
forças.
Não foi possível calcular o tempo que essa cena
durou. Ele foi encontrado desmaiado em seu camarim, sem forças e sem voz.
O bar contratou uma atração, que o substituiu. Uma
bela cantora, de voz magnífica. Uma mulher de pele alva como a neve e cabelos
vermelhos, amada pelo público. Ela todas as noites, ao se apresentar, se faz
acompanhar de uma taça e uma garrafa de champanhe.
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