Ainda estou vivo. Meu corpo, aos poucos, vai conectando-se com o mundo.
Lentamente...Calmamente ...
Meus olhos são os primeiros a
funcionar.
Arrisco-me a movimentar braços e
pernas.
Bem
sutilmente para não “espantar” a vida.
Aos setenta, é preciso cuidado ao
“acordares”.
Vivemos suspensos por um tênue fio,
que mais parece uma linha de costura.
É preciso saber usá-la, tendo a
agulha como sua mestra, que a conduzirá unindo
Os
sinais de vida; alinhavando tudo numa história, nossa
história.
Aqui no meu quarto, solitário,
penso que já nasci assim, com setenta.
Meus filhos e netos desconhecem como
fui,
Para eles sou cabelos brancos, pele
enrugada, andar vagaroso.
Volto a fixar meu pensamento em meu
corpo, que ainda está “seminerte”
Continuo sobre a cama, como num
ensaio para meu próximo e definitivo leito.
Sinto meu coração pulsando lentamente, contando seus movimentos: sístole ... diástole... sístole ... diástole ... sístole ... diástole ...
Um de cada vez.
Cuidadosamente, sem pressa.
Aos poucos, meus sentidos vão
sinalizando que ainda há vida para ser vivida,
Saboreada pelos olhos e alimentada por sons que provocam em mim sensações
agradáveis na flácida, mas sensível
epiderme.
Ouço vozes no corredor da casa,
percebo que já estão providenciando café.
O cheiro delicioso desse elixir
encantado leva-me a infância e lembro irmãos, pai, mãe e avô.
Família! Alegre e despreocupada.
Saudade ... sinto... saudade!
Aos setenta, a saudade alimenta a alma.
Será que sou um dos irmãos reunidos em torno da mesa? Cinco
meninos disputam um pedaço do pão. Eu sou um deles!
Será que sou o avô? Num momento,
sou passado e presente.
Tudo faz muito tempo! Não consigo ME
distinguir.
Tento conversar com um dos garotos,
aquele que mais aparece em meus sonhos, o mais traquinas. Ele foge; sai em desabalada carreira rumo ao quintal da
casa.
Meu acordar é cheio de lembranças. Continuo
sonolento ou com um lento sono.
Aos setenta, cochilos e sonolência
alternam-se, vive-se imerso numa preguiça de viver.
Já estou quase acordado! Meu corpo,
por inteiro acusa sinais de vida.
Movimento-me sobre a cama e aos
poucos escorrego pelo lençol.
Sento-me e sinto-me vivo!
Ouço passos no corredor. A porta do
quarto abre-se vagarosamente.
Uma tênue luz invade o cômodo, que
ao se iluminar, permite-me ver meu neto.
Linda imagem que me faz agradecer por ter conseguido mais uma vez acordar!Edison Borba
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