terça-feira, 29 de julho de 2014

ACORDARES

Vagarosamente abro os olhos!
Ainda estou vivo. Meu corpo, aos poucos, vai conectando-se com o mundo.

Lentamente...Calmamente ...
Meus olhos são os primeiros a funcionar.

Arrisco-me a movimentar braços e pernas.
Bem  sutilmente  para não “espantar”  a vida.

Aos setenta, é preciso cuidado ao “acordares”.
Vivemos suspensos por um tênue fio, que mais parece uma linha de costura.

É preciso saber usá-la, tendo a agulha como sua mestra, que a conduzirá unindo
Os  sinais de  vida;  alinhavando tudo numa história, nossa história.

Aqui no meu quarto, solitário, penso que já nasci assim, com setenta.
Meus filhos e netos desconhecem como fui,

Para eles sou cabelos brancos, pele enrugada, andar vagaroso.
Volto a fixar meu pensamento em meu corpo, que ainda  está “seminerte”

Continuo sobre a cama, como num ensaio para meu próximo e definitivo leito.
Sinto  meu coração pulsando lentamente,  contando seus movimentos:
sístole ... diástole... sístole ... diástole ... sístole ... diástole ...

Um de cada vez. Cuidadosamente,  sem pressa.
Aos poucos, meus sentidos vão sinalizando que ainda há vida para ser vivida,  Saboreada pelos olhos e alimentada por sons que provocam em mim sensações agradáveis  na flácida, mas sensível epiderme.

Ouço vozes no corredor da casa, percebo que já estão providenciando café.
O cheiro delicioso desse elixir encantado leva-me a infância e lembro irmãos, pai, mãe e avô.

Família! Alegre e despreocupada. Saudade ... sinto... saudade!
Aos setenta, a saudade alimenta a alma.

Será que sou um dos  irmãos reunidos em torno da mesa? Cinco meninos disputam um pedaço do pão. Eu sou um deles!
Será que sou o avô? Num momento, sou passado e presente.

Tudo faz muito tempo! Não consigo ME distinguir.
Tento conversar com um dos garotos, aquele que mais aparece em meus sonhos, o mais traquinas. Ele foge;  sai em desabalada carreira rumo ao quintal da casa.

Meu acordar é cheio de lembranças. Continuo sonolento ou com um lento sono.
Aos setenta, cochilos e sonolência alternam-se, vive-se imerso numa preguiça de viver.

Já estou quase acordado! Meu corpo, por inteiro  acusa sinais de vida.
Movimento-me sobre a cama e aos poucos escorrego pelo lençol.

Sento-me e sinto-me  vivo!
Ouço passos no corredor. A porta do quarto abre-se vagarosamente.

Uma tênue luz invade o cômodo, que ao se iluminar, permite-me ver meu neto.
Linda imagem que me  faz agradecer  por ter conseguido mais uma vez acordar!

Edison Borba

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