quarta-feira, 2 de julho de 2014

A LÁGRIMA.


A LÁGRIMA

Estou deitado no chão, mas não estou dormindo. Mergulhado num estado de torpor físico e mental, flutuo no mundo alucinógeno das drogas. Sonho com minha mãe na janela acenando para mim. Corro por um jardim, escondendo-me atrás de árvores, tentando fugir ao seu atento olhar.

 

“Um dia, estimulado por um amigo, absorvi uma pequena porção mágica que me encantou. Naquele momento descobri um mundo novo, encantado e colorido.

Igual a Alice, conheci o País das Maravilhas. Montei num cavalo alado, com asas de cristal que cintilavam sob o brilho do sol. Colhi morangos, amoras e rolei sobre o verde gramado abraçado em meu cachorro. Viajei até a montanha das neves eternas. Fui esquimó, deslizando em um trenó, puxado pelas renas do Natal. Uma viagem incrível, diferente e bem longe do mundo onde sempre vivi. Pela primeira vez, senti-me liberto, sem ninguém para dizer-me: não pode! Não deve! Não é permitido!

Senti-me livre, completamente livre! Naveguei num barquinho de papel,  descendo pelas águas turbulentas de um rio.

Fui  herói! Invencível! Poderoso!

Os adultos não entendem o quanto os jovens precisam de liberdade. Voar bem alto, além das nuvens, sem nenhum receio”.

 

Estou pairando sobre a minha cidade, voo entre os edifícios, faço cambalhotas, subo pelas paredes, sou o Homem Aranha.

Nada me impede de fazer o que quero. Não sinto vergonha e nem tenho que pedir desculpas, estou livre, completamente livre!

Sou um colibri, voando entre as flores de um lindo jardim. Sou coelho e caçador. Sou o que quero ser. Não tenho amarras e nunca mais serei prisioneiro das regras sociais. Deixei de ser “careta”, estou numa boa, na moda do brilho que me encantou e levou-me para este lindo mundo onde estou agora.

 

Meu corpo treme e o suor escorre pelo meu rosto. Meus pensamentos estão confusos e uma nuvem negra paira sobre a minha cabeça.

Vejo minha mãe acenando para mim. Ela está debruçada na janela de nossa casa. Tento alcançar a sua mão, mas não consigo. Estou sufocando. O “admirável mundo novo” se esvaziou. Estou sozinho. Minha visão é confusa. Já não consigo distinguir as imagens que dançam ao meu redor. Meu corpo está queimando. Não consigo respirar. Estou desesperado e tento gritar. Minha voz está presa em minha garganta. Sufoco!

Quero brincar no jardim de minha casa. Preciso dos meus amigos. Sinto falta da escola.

Vejo minha mãe suplicando para eu voltar. Estou tentando, mas não consigo. A mágica viagem transformou-se em pesadelo. Tento afastar de meus pensamentos, imagens aterrorizantes. Meu corpo está cada vez mais impregnado pelo brilho que ingeri. Estou me perdendo entre sombras que dançam ao meu redor. Aos poucos caminho em direção a uma penumbra. Sinto a droga circulando em meu sangue.  Já não tenho nenhuma dor. Aos poucos minha excitação diminui. Meu corpo parou de tremer. Estou calmo. Estou dormindo. Coberto por um véu negro,  consigo ver no rosto de minha mãe uma furtiva lágrima.

 Edison Borba

 


 

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