Fazia tempo ela vivia só. Vizinha do apartamento ao lado do meu, combinávamos ruídos matinais, como o chuveiro, o tilintar dos talheres e até o cheirinho do café. Dias, semanas, meses e anos. Certa noite, acordei com risos e sussurros, daqueles que indicam "o amor está no ar". Mesmo sem querer, meus ouvidos captaram os sinais do amor que estava chegando no lar vizinho. Confesso que fiquei feliz, pois até então nunca tinha ouvido uma risada, um som musical, ou algo que transmitisse alegria. Naquela noite, tentando esconder o meu sorriso maldoso, fui dormir feliz.
Dias seguintes e uma voz masculina passou a habitar meus ouvidos, junto com os ruídos, tão familiares. O varal, antes habitado apenas por rendas, sedas, camisolas, blusas e saias passou a dividir espaço com camisas, calças jeans, cuecas e meias grossas. Tudo junto, deixando claro que a intimidade estava além do secador de roupas.
Dias passando e os ruídos de amor se esvaziando. Até que, certa noite, fui despertado pelo choro convulsivo da mulher vizinha. Sobrepujando os seus lamentos uma voz rouca, áspera e quase animal bravava insultos e palavras de desprezo. Fiquei atento! Quase pronto para intervir! Mesmo com todos os temores que temos de meter a colher em briga de amor e de marido e mulher. Porém, o som forte e oco de uma porta se fechando, tranquilizou-me! Ele havia saído! Ela aos poucos, deixou-me perceber que saindo do choro convulsivo passou para os soluços de coração partido.
Um novo dia amanheceu e novamente nossos antigos ruídos se reencontraram. Os talheres anunciando que haverá refeição e o cheirinho de café coado voltou a invadir nossas casas. A mulher vizinha voltou a viver só. Coração ferido? Alma dilacerada? Será que haverá espaço para uma nova tentativa? Quanto tempo demora para cicatrizar um coração partido?
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