quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ETERNA AMIZADE

Em torno do caixão, muita gente  se acotovelava para ver Zelindo, pela última vez.
A explicação para toda essa confusão se relacionava à herança do morto. Zelindo foi um dos ganhadores do prêmio máximo da loteria de Natal.
Homem simples e fiel aos seus hábitos  passou muitos anos jogando sempre os mesmos números. Tanta fidelidade lhe rendeu uma bolada em reais. O grande problema, é que ao saber da premiação, o sortudo teve um colapso e morreu.
Solteiro, morando sozinho numa pequena casa do subúrbio, nunca recebera a visita de ninguém que se identificasse como seu parente.
Funcionário público trabalhava como ascensorista numa repartição.  Durante mais de vinte anos conduziu o elevador para cima e para baixo, sempre com paciência.
Não tinha amigos, apenas alguns colegas de trabalho, sentavam-se ao seu lado na hora do almoço. Era um solitário. Apenas o seu cão, chamado Valente, lhe fazia companhia. Ele e o vira-lata eram inseparáveis. Apesar do baixo salário, Zelindo nunca deixou faltar  ração,  cuidados com veterinário e outros luxos que ele dedicava ao seu fiel companheiro.
Durante o velório, os comentários eram sobre quem ficaria com a fortuna. Algumas pessoas se arvoravam em afirmar que eram amigas íntimas do falecido. Houve até quem arriscasse um parentesco. Um cara baixinho chorava bastante se dizendo primo do defunto.
As despesas do enterro foram custeadas pela repartição para a qual ele prestara serviços por tantos anos. Seu chefe, um senhor gorducho, a secretária gostosona e alguns colegas se debulhavam em lágrimas sobre o caixão, demonstrando grande sentimento. Aliás, eram  os mais fortes candidatos a uma fatia da herança. Alegavam a relação diária, o carinho com que  tratavam o Zé, lembravam  fatos íntimos para comprovarem a forte  amizade que havia entre todos eles. A secretária gostosona, com os olhos vermelhos, até deixou escapar um possível “love” que havia rolado entre os dois.
E foi nesse clima de tristeza e constrangimento que o caixão foi fechado e conduzido até o cemitério. Nunca se vira na história, um morto com tantas mãos querendo segurar as alças da caixa mortuária. Houve até um princípio de tumulto, quando o  baixinho gritou: “o dono do defunto pega na cabeça”. Nessa hora uma multidão correu para segurar na alça colocada na dianteira do sarcófago. Foi necessária a intervenção do padre Juca, para que a confusão não tomasse conta do local. Uma multidão, só vista em enterro de artista, acompanhou Zelindo à sua última morada.
Durante a caminhada, pelo cemitério, entre covas e jazigos, ouviu-se uma voz forte e grave chamando por Zelindo. O susto foi geral. De onde partira aquela voz. Os mais religiosos, ajoelharam-se e começaram a rezar, os medrosos correram e os curiosos queriam saber quem havia chamado pelo  defunto.
Padre Juca, com um rosário nas mãos pedia, calma.  E controlando a emoção,   perguntou quem estava brincando num momento tão sério. Foi então, que apareceu ofegante o dono da loteria, onde o jogo havia sido feito.
Com uma folha de jornal nas mãos gritava Zelindo, você ganhou,  mas não levou.  Padre Juca, usando de sua autoridade eclesiástica, exigiu uma explicação para tamanha confusão.
Genovino, após acalmar-se, explicou que o prêmio havia saído para centenas de apostadores. Sendo assim, Zelindo só receberia alguns míseros reais. Portando, o morto, além de morto continuava pobre.
 Imediatamente o cemitério ficou vazio. A galera saiu rapidamente, deixando o caixão sozinho.  Apenas Valente, o fiel cão  permaneceu junto a seu amigo, esperando que uma alma bondosa, levasse o caixão para o seu endereço eterno.
Edison Borba

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