domingo, 6 de janeiro de 2013

REFLEXÕES DE CALÇADA

A bota de um soldado  encontrou-se casualmente com a sandália de um surfista. Tentando uma aproximação e até uma futura amizade, fez observações sobre a sua vida. Apresentou-se como  patriota. Contou das façanhas que havia praticado. Falou das batalhas e das guerras. Da coragem que era preciso ter para calçá-la.
Passando pelo local, o sapato de um empresário, parou para argumentar, na perda de tempo daquela discussão. As duas paradas na calçada, jogando conversa fora enquanto ele o sapato, se dirigia para a empresa. Ele sim era importante, trabalhava num escritório, comandava diversas botinas de couro ruim, algumas com buraco na sola. Com ele, todos andavam muito o dia todo, todos os dias. Era necessário produzir, mesmo causando calos nos pés que as calçavam. Mas, ao final de cada mês os lucros subiam.
O bate - boca já se tornava intenso, quando uma saltitante sapatilha, que passava no local, indo para o teatro, pediu para dar a sua opinião.
A linda sapatilha cor de rosa, nas pontas, fez uma pirueta e simplesmente afirmou: eu sou a mais importante, porque represento a arte. Todas as noites uma plateia maravilhada me aplaude. Sou famosa, faço as pessoas felizes.
O rebu já estava  complicado, quando uma chuteira, parou o seu moderno carro, e descendo até a calçada, pediu a palavra. Mandou que todos olhassem para o seu veículo importado. Ela a chuteira, estava por cima, todas as crianças, meninos e meninas, queriam calçá-la. Ela se tornara o símbolo da riqueza e do poder. Até na moda  já estava influenciando. Cabelos eram moldados nos salões de beleza por outros calçados que sonhavam com o seu status.
E assim a bota, o sapato, a sapatilha e a chuteira discutiam acaloradamente sobre as suas importâncias. Quem era a mais famosa. Quem era a mais poderosa.
Sem que os vaidosos  percebessem, a sandália caminhou pela praia e mergulhou nas águas azuis do oceano. Fez malabarismos entre as ondas. Flutuou na maré e voltou ao local do sururu. Molhada pela salgada água sabiamente falou: todos nós somos importantes, desde que não pisemos nós outros calçados, não apertemos os pés de quem nos usa, formando doloridos calos. Todos nós precisamos de pelo menos um dia de liberdade para um mergulho no mar, num rio, numa piscina ou “piscinão”,  fazer um passeio no parque, gozando a vida sem medo e preconceitos.
Cada um com sua utilidade e sem futilidade, podemos gozar da felicidade que a liberdade permite.
Edison Borba

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