segunda-feira, 8 de abril de 2013

THE VOICE

             Sua voz era considerada estupenda. Um timbre inexplicável. Não era possível classificá-la como sendo de um   tenor ou barítono e muitas vezes, quando a melodia exigia, se tornava um baixo. Os graves conseguidos arrepiavam os que tinham o prazer de ouvi-lo.
Era um cantor da noite, desses que cantam por prazer entre drinks, sorrisos, conversas sussurradas e algumas vezes até uma gargalhada estridente. Diante do microfone, nada o incomodava. Era possível vê-lo absolutamente imerso em seu mundo. Alguns frequentadores assíduos daquele bar, afirmavam que ele cantava para os anjos, ou para o além. Nada o tirava do compasso musical.
O tempo passando e ele independentemente do conjunto musical ou orquestra que o acompanhava, cantava e cantava cada vez melhor.
Uma noite, antes de começar a sua apresentação, teve a curiosidade de olhar os frequentadores da casa noturna. Através da cortina, viu sentada numa mesa bem em frente ao palco, uma mulher de pele alva e cabelos ruivos. Sozinha, tendo como companhia uma piteira dourada, com a qual deixava bailando no ar nuvens de fumaça, uma taça e uma garrafa de champanhe. Aquela visão o deixou intrigado. Quem seria? Ele que nunca se preocupara com a platéia,  sentiu que aquela noite seria diferente.
E foi sob essa sensação que   iniciou a sua apresentação.
A primeira música, uma balada romântica, cantada em voz sussurrada, para criar um clima apaixonado entre os clientes do bar. Aos poucos o repertório desvendava músicas mais pungentes, até chegar àquelas que exigiam mais de sua voz.
Durante o espetáculo, havia um momento para que os músicos se apresentassem. Cada um deles, ao ouvir seu nome, aproveitava alguns momentos de sucesso. Logo a seguir, o retorno triunfal do cantor para as últimas canções e finalmente os aplausos.
Foi quando os músicos se apresentavam,  que a bela mulher desapareceu, deixando a mesa vazia. Apenas a garrafa e a taça com champanhe, continuavam ocupando a solitária mesa.
Ao voltar e não encontrando a estranha dama, sua voz não foi emitida como sempre acontecera. Falhou nos agudos e nos momentos em que se exigia emoção, ele não conseguiu transmitir a sua paixão em cantar. O público, apesar de ser pouco exigente, afinal muitos estavam ali para beber  e conversar, percebeu a diferença em sua apresentação.
Cortinas cerradas, ele se dirigiu para o seu camarim, entre murmúrios  dos componentes do grupo musical e até entre os garçons. Cabeça baixa e sem entender o que havia acontecido, entrou em seu refúgio. Sem coragem para acender as luzes e olhar sua imagem no espelho, sentou-se no sofá e deixou as lágrimas brotarem de seus olhos.
 E foi imerso nesse mundo de solidão e tristeza, que ele ouviu seu nome ser murmurado. Era uma suave voz feminina vinda do lado oposto do sofá em que ele estava sentado. Assustado, limpou o rosto e imaginando ser uma alucinação, tomou coragem, levantou-se e acendeu as luzes do camarim.
A claridade fez surgir diante dele à imagem da mulher de cabelos vermelhos. Assustado diante daquela aparição, não conseguia falar. Aproveitando-se da sua incerteza ela delicadamente, lhe ofereceu o seu cigarro.
Ainda confuso com aquela aparição, aceitou a oferta, e se permitiu tragar aquele cigarro, como se fosse o último de sua vida.
E assim, sem dizer palavras, ficou  alguns momentos olhando para aquele rosto de pele branca emoldurado pela cor dos cabelos.
Entre os dois apenas a fumaça do cigarro, que dava ao encontro um ar ainda mais misterioso.
Com movimentos lentos, como de uma gata, ela se aproximou e lentamente aproximou seus lábios dos dele e suavemente iniciou um beijo. O cantor se deixou levar por aquele encantamento e entregou-se sem nenhum repúdio. Aos poucos se sentiu  inebriado pelo perfume e pelos lábios, que o deixaram absolutamente sem forças.
Não foi possível calcular o tempo que essa cena durou. Ele foi encontrado desmaiado em seu camarim, sem forças e sem voz.
O bar contratou uma atração, que o substituiu. Uma bela cantora, de voz magnífica. Uma mulher de pele alva como a neve e cabelos vermelhos, amada pelo público. Ela todas as noites, ao se apresentar, se faz acompanhar de uma taça e uma garrafa de champanhe.
 Edison Borba

 

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