segunda-feira, 18 de julho de 2011

CONFISÕES DE UMA BOLA DE FUTEBOL

As pernas tortas do Garrincha, a força do Pelé, a destreza do Rivelino,  a canhota do Gerson, a elegância do Tostão e tantas outras lembranças me trazem uma enorme nostalgia. Zico, meu galinho de Quintino, como ficava  feliz quando você me  rolava pelo campo do adversário.  A galera em delírio me transformava em rainha. Eu passeando pelo campo, podia sentir as carícias das suas chuteiras. Meu coração acelerava, esperando o chute fatal, que me lançava pelo ar rumo às redes do time adversário. Fotos, gritos, delírios a fama! Lembro-me muito bem, quando o rei do futebol, o atleta do século, me impulsionou pela milésima vez para o glorioso gol. Todo o estádio tremeu de emoção. Eu, a redonda me senti a mais linda brasileira. Bons tempos! Uma saudade imensa daqueles gols de placa, de bicicleta, de fora da área, feitos com maestria pelos garotos de ouro do futebol arte. Fosse numa peleja de várzea ou num majestoso estádio europeu, eu brilhava nos pés dos meus príncipes guerreiros. Mesmo diante de algumas derrotas, o meu orgulho não se abatia. Sabia que meus meninos tinham lutado até a última gota de suor para conseguir a vitória. Mas  ficava corada de emoção, e até  acanhada;  quando um galanteador me beijava, diante de todo o público, em agradecimento ao gol. Era a glória! Eu sendo acariciada pelas mãos daquele herói. Nunca reclamei das pegadas fortes das mãos dos goleiros dos times rivais. Nem dos pontapés vigorosos, que me obrigava a atravessar todo o campo, acelerando um final de partida. Eu sabia da minha importância para os cavaleiros da távola futebolística. Mas, emoção mesmo, eu sentia quando chegava a hora de marcarmos um pênalti. Confesso que algumas vezes, sofria com medo de desviar a rota, de sair adiantada, de não conseguir chegar ao fundo da rede. Foram poucas às vezes em que isso aconteceu. Chorava junto com a torcida. Tentava consolar meu atleta, sempre conseguindo alguma desculpa. Foi o vento me desviou, foi fatalidade. Amanhã faremos melhor. Um dia, meu coração quase parou. No frio estádio europeu, conquistamos a copa do mundo. Foi em 1958, num lugar chamado Suécia. Bellini ergueu a taça levando ao delírio milhões de brasileiros. Naquele momento, apesar de estar explodindo de felicidade, me senti um pouco abandonada. Estava exausta, suja e bastante ferida. Tive ciúmes daquela peça de ouro, erguida no meio do campo. Eu fui recolhida e levada para o vestiário e sozinha comemorei a nossa vitória. Passados tantos anos, eu já não tenho tanto orgulho da minha profissão. Os heróis modernos, estão mais preocupados em manter seus topetes espetados, suas  camisas de marca e seus polpudos salários. Constantemente sou trocada por lindas louras que seduzem meus meninos com suas curvas de academia. Eu, a redonda,  fico abandonada e humilhada saio de campo sem ter conseguido uma vez, apenas uma vez, tocar a rede do adversário. Que saudades dos verdadeiros atletas! Quanta nostalgia nos corações brasileiros! Eu sofri muito na África, quando ao som das vuvuzelas, retornei para casa em silêncio. Pensei que voltaria a brilhar, aqui na América do Sul, nos pés dos  cavaleiros do moderno futebol. Envergonhada retorno ao Brasil com meu coração enlutado. Amanhã tudo será esquecido. Mulheres, dinheiro, contratos fabulosos, jantares, viagens e festas voltarão a fazer parte da vida  dos meninos que se acreditam de ouro. Saudades das pernas tortas do Garrincha, dos seus dribles fantásticos e das jogadas  dos verdadeiros mestres da arte do futebol.  Eu que ajudei o Brasil a ter grandes conquistas e a promover grandes espetáculos, me afasto triste e melancólica lembrando-me de um tempo que só existe em nossos corações.

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