domingo, 24 de julho de 2011

SEGREDO DE CONFESSIONÁRIO

O pálido cadáver de Léo jazia sobre o tapete. Apesar do sangue em volta de seu peito, ele parecia bastante saudável. Quarenta anos olhos semicerrados,  barba bem feita, gravata italiana, camisa de linho, sob o terno Armani, emprestava àquele homem uma elegância única. Definitivamente não era um cidadão comum. Uma grande quantidade de policiais ocupava a rua, o prédio, a sala e a cena do possível crime. Jornalistas, fotógrafos e alguns curiosos circulavam pelos arredores deixando escapar palavras e observações aparentemente sem sentido, mas que revelavam aos poucos a imagem de Léo.  – Ouvi dizer que ele era gay – comentou um representante da imprensa. - Ele era homossexual – retrucou outro. O gracejo ocasionou alguns sorrisos e também o protesto de Helga, secretária particular de Leo. Nesse momento, o delegado de polícia adentrou a cena fazendo calar, as vozes que já começavam a se alterar. Solicitando a todos que se retirassem do recinto, Dr. Palmares, fechou e trancou a portado escritório. Delegado conceituado, em seus mais de trinta anos de profissão e sessenta de vida, era uma autoridade inquestionável. Colocou sua pasta sobre o sofá. Tirou paletó e reclinou-se sobre o morto. Sem tirar os olhos do rosto da vítima, sentia seu coração batendo com força. Estendeu seu braço direito, e tocando suavemente os olhos de Léo, cerrou-os de forma carinhosa. Sempre cauteloso  ao desempenhar suas funções de investigador, Palmares se arriscava, tocando em tudo sem observar cuidados que poderiam interferir nas evidências do caso. Sem luvas, ou nenhuma proteção, deslizava suas mãos sobre os objetos da sala. Era como se acariciasse o ambiente, com ternura e afeto numa despedida dolorida. O silêncio dominava a sala, apenas ruídos vindos de fora, teimavam em penetrar no sagrado local da tragédia. Nenhuma pista ou sinal de luta podia ser observado. Tudo se encontrava rigidamente em seu devido lugar. Palmares sabia exatamente o local de cada livro, estátua, quadro, cadeira e até mesmo dos pequenos objetos: canetas, lápis e agenda, que Helga mantinha  intocáveis, conforme os desejos de seu querido patrão. Angustiado, Palmares, afastou-se do corpo e sem erguer os olhos, caminhou até a porta. Mas esforçando-se para cumprir a sua tarefa, retornou ao sofá, deixando-se cair sobre as almofadas. Era ele,  Léo e as lembranças fechados naquele ambiente. Na noite anterior, havia estado ali naquele local. Estava feliz e como um menino sonhara com um mundo de amor, capaz de compreender  sua escolha, sua vida e seus desejos.  Após a saída da secretária, os dois passaram momentos agradáveis: música, vinho e a companhia um do outro; aquecera mais um dos seus  encontros. Através da janela, uma chuva miúda podia ser vista. Aos poucos a tarde  se tornava fria e úmida. Do lado de fora, podia-se perceber o agito do pessoal, estranhando a demora do delegado. Palmares sabia que precisava agir depressa. Jamais poderia trair o segredo que o unia àquele homem. Celular nas mãos, lágrimas deslizando pelo seu rosto, conversou demoradamente com alguém, que lhe emprestou confiança e coragem. Um sacerdote aguardava o delegado no corredor do edifício. Os dois caminharam lado a lado sob a fina chuva. Léo continuou no tapete com o sangue ao redor de seu corpo. O mistério, os valores e a dignidade dos personagens preservados pelo segredo de confessionário.
Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE.

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