sábado, 16 de julho de 2011

O RELIGIOSO

Gedeão era  extremamente religioso. Assistia missas diariamente, antes ou depois de trabalhar. Confissões e comunhão pelo menos uma vez por semana. Entre seus irmãos e irmãs era o mais cumpridor dos dez mandamentos. A cada dia se revelava mais temente às leis divinas. Aos 48 anos acreditava ter feito o melhor que um ser humano poderia ter feito. Era casto, puro e limpo por dentro e por fora. Nunca provou de bebida alcoólica, evitando até os bombons com recheio de licor. Usava roupas discretas. Cigarros, nem a fumaça expirada pelos usuários e  quanto às comidas, evitava àquelas ditas afrodisíacas. Tinha medo de sonhar com coisas impuras, que segundo algumas informações obtidas sigilosamente, eram causadas por temperos fortes. Não se tornara vegetariano por ter problemas com os pepinos e as cenouras. Segundo ele, esses legumes o faziam ter certos pensamentos pecaminosos. Até mesmo, alguns termos ele evitava usar, como: quero comer carne, gosto de lombo e aprecio uma lingüiça. Se o assunto era castidade, Gedeão radicalizava. Para ele, pureza era algo para a qual não havia meio termo, ou temos ou não temos. Tradicional, sério e metódico cumpria sempre o mesmo ritual: casa, igreja, trabalho ou casa, trabalho e igreja. A ordem dependia de pequenas tarefas que  era obrigado a cumprir como qualquer cidadão. Nem a rotina de sua família  acompanhava. Emoção, diversão, aventura e romance nunca foram experimentadas. A sua vida era rigidamente planejada, nada o afastava de pensar que agindo assim, estava garantindo seu lugar nos jardins do céu. Livros apenas os religiosos. Os que contavam a vida dos santos,  eram os que mais  gostava. Sonhava em se tornar  anjo ou no mínimo um ajudante nas atividades celestiais. Porém, a vida de Gedeão começou a mudar, quando foi acometido por um problema de saúde. Gravemente enfermo, foi obrigado a procurar ajuda médica. Até aquela data nunca havia ficado doente, nem entrado em hospital e muito menos examinado. Os únicos contatos que ele havia experimentado foram os apertos de mão. Para ele, foi um grande golpe, quando tirou a camisa diante da médica. Seu coração disparou ao sentir em suas costas o toque macio daquelas mãos. Desconfortável com a situação, ele procurou, durante o exame, mergulhar em orações para não cair em tentação. Examina daqui e examina dali  nada encontrando nos pulmões e coração do paciente, mas suspeitando da existência de alguma coisa séria, a doutora encaminhou Gedeão para outro setor do hospital. Apreensivo, recebeu o receituário, e sem ler o que havia sido solicitado, encaminhou-se para o setor indicado. De olhos baixos e  apreensivo entregou o documento para uma enfermeira e sem olhar para o indicativo na porta do consultório, deixou-se levar pacatamente para o exame de proctologia. Hoje está completamente curado, é visto correndo no calçadão de Copacabana, joga frescobol na areia, freqüenta academia, churrascos e se amarra em um chopinho com lingüiça.

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