sexta-feira, 27 de março de 2020

CINZAS (um pequeno conto)

(por) Edison Borba



A mesa que outrora fora coberta por lindas toalhas de renda branca, acumula poeira na sala da casa abandonada. Cortinas desbotadas tentam impedir a entrada da luz do sol. Os vidros embaçados das janelas colaboram nessa árdua tarefa de não deixar que a vida entre naquele ambiente.
Tapetes corroídos ainda guardam a imponência dos tempos em que sapatos elegantes deixavam marcas na sua maciez. Sofás de veludo manchados de bebidas derramadas no auge das festas, continuam a manter a sofisticação do passado.
Em todos os cantos pode-se perceber melancolia e tristeza. Apenas um relógio teima em continuar marcando horas que se perdem no vazio daquele casarão.
Quantas coisas aconteceram no amplo salão de jantar e outras tantas na biblioteca e nos quartos. Casais enamorados fizeram juras de amor eterno, na eternidade de uma noite. Taças de cristal tilintavam anunciando intermináveis brindes. Risos, gargalhadas, música, mistura de vozes e bebidas fizeram daquela residência um campo de concentração às avessas.
Nas noites de orgia, era possível sentir os perfumes femininos misturando-se ao cheiro de tabaco dos cigarros e cachimbos dos cavalheiros nem sempre tão cavalheiros. Alguns estavam mais para cavalariços, o que muito agradava as senhoras, que após algumas bebidas perdiam o pudor e deixavam brotar sentimentos selvagens.
Coisas passadas, passadas naquele local, se fazem presentes na cabeça daquele homem, trazendo para o presente àquilo que é passado.
Ele não sabe o que esperar do futuro, ainda está preso a todas aquelas “coisas” materiais e sensoriais que habitam seus sentimentos. Tem horror em pensar no seu destino, quando se desfizer daquele incrível mundo.
Seu corpo treme quando pensa que todos se foram. Está com medo e sozinho naquela sala. Cheio de horror; anda de um lado, para o outro. Sente o suor escorrendo pelo seu rosto. Olha para todos os objetos, preferindo ser um cego para não ver a morte que se apoderou de tudo que outrora fora tão vivo.
Pensa em cometer um assassinato.
Matar aquelas coisas passadas, romper laços, arrancar pela raiz, deixar sangrar. Não quer mais ferir seus olhos. Não podendo mais adiar, com um gesto rápido, riscou um fósforo. Em alguns segundos tudo virou cinzas!




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