segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A VOZ

A garotada andava livre, correndo pelas ruas sem nenhuma preocupação com carros. Empinando pipas ou girando pião, não havia medo de nada. Laís cresceu ali mesmo, numa casa modesta. Antes dela  seus pais já possuíam dois filhos, Léo e Lino. Cada um deles nascido num bairro da cidade. Léo o mais velho, no Caju. Lino, em Irajá e Laís, a única menina, em Inhaúma. Era uma família que não fincava raízes, mesmo sem ter sangue cigano, nada os prendia a nada. Antes do nascimento dos filhos, já haviam morado em Botafogo e  Catumbi. Esse roteiro percorrido pela família por vários bairros da cidade do Rio de Janeiro mantinha uma coincidência. Em todos eles  havia um cemitério. A sombra fúnebre desses lugares santos, não os assustava. A tranqüilidade e quietude desses bairros é que os atraía. Tinham preferência por aquela vizinhança sempre  calada e incapaz de criar problemas. Eram lugares preguiçosos, que só se tornavam barulhentos, quando da chegada de algum vizinho novo. Nesses dias, havia um movimento maior de carros e pessoas. Um vai-e-vem de gente vestindo luto,  com olhos vermelhos e ruído de choros. Radicados em Inhaúma, após o nascimento da filha, o casal resolvera que fincariam pé naquele logradouro, até que a menina  estivesse em idade de casar. A opção estava feita. As cinco pessoas daquela família estavam selando um acordo, ficar juntos na mesma casa no bairro de Inhaúma, na mesma rua do cemitério, até que Laís completasse dezoito anos.  Mas,  estranhamente, a menina não se sentia feliz com aquela opção. Entre os seus familiares, ela era a única a não concordar com a escolha. Aos cinco anos, já demonstrava sua insatisfação. Léo e Lino, porém não concordavam com a irmã.  O tempo passando e Laís, cada vez mais  sentia-se tolhida. Na realidade,  o problema não estava no bairro, mas sim na atitude de seus pais. Colocaram como diretrizes de suas vidas, o silêncio,  a  ausência de música e alegria em solidariedade aos seus vizinhos mortos.Dentro de casa, suas vidas era um constante bocejo, poucas palavras, nunca risadas e melodia vetada. Portanto, era na rua que os irmãos Le, Li  e La podiam expressar toda a alegria. Porém, freqüentar as ruas, só era possível durante o dia, porque à noite a luz era escassa, tornando o lugar muito mais triste. Tudo transcorria naquela calmaria, até a chegada do Sr. Queiroz. Português de grandes bigodes,  comprou uma das casas e  abriu um botequim. O local, em pouco tempo, foi caindo no gosto de  boêmios.  Um violão, um cavaquinho e uma flauta se juntaram e logo, em torno deles uma freguesia buliçosa tomou conta do bar do Queiroz. A animação aumentava, quando chegava inquilino novo para ocupar uma das catacumbas do cemitério. Nesses dias, ou nessas noites, uma população chorosa bebia o morto, animando o local. A escolha das músicas dependia de quem estava sendo, deixado na cova. Tinha repertório para sogras, maridos e cunhados. Os irmãos Le, Li e Lá, eram figuras constantes no bar. Sempre encontrando um jeito de enganar os pais, os três participavam das rodas  musicais. Quando Laís completou dezoito  anos, resolveu que iria cantar. Queria trabalhar no bar, fazer um espetáculo. Havia tempo que ela aprendia as letras das músicas que rolavam entre os freqüentadores.  A opção estava feita: era preciso, a permissão dos pais e convencer os irmãos, a se juntarem na formação de um trio. Problema resolvido, números ensaiados dia combinado lá estavam os três irmãos para a estréia. Nunca viram tanta gente junta! Bar lotado, até na calçada havia espectadores. Laís e seus irmãos Léo e Lino, aguardavam o momento para entrar em cena, quando, de repente, duas mãos empurraram Laís para o palco improvisado. Um homem, saído ninguém sabia de onde, falava decididamente: - Cante Laís! Cante prá mim! Um nó na garganta; e a pequena cantora gelou. As pernas tremiam, a voz sumiu da garganta. As mãos pesadas empurraram-na, mais uma vez. Laís banhada em suor frio desmaiou sem pronunciar um som sequer! A mesma voz repetiu decididamente,  e dessa vez em tom bem mais alto, fazendo toda a platéia gelar o sangue nas veias. – Acorde Laís e cante! Cante prá mim! E ela, cantou e cantou e nunca mais desmaiou. EdisonBorba

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