sábado, 24 de setembro de 2011

PIPA "VOADA"

Valdemar era uma dessas pessoas inconvenientes. Sem nenhum senso de ridículo, estava sempre criando situações constrangedoras. Incapaz de perceber o quanto era desagradável, não percebia o quanto incomodava a todos que tinham o desprazer de conviver com ele. Seus amigos o chamavam de pipa-voada, maluco e irresponsável. Estava sempre pronto a contar piadas, fazer brincadeiras e chacotas. O que para muitos era algo engraçado, para outros eram atitudes desagradáveis. Por mais que alguns amigos reclamassem, Valdemar não mudava. A cada dia se tornava mais incontrolável. Eram tantas as brincadeiras, que ninguém mais o suportava. Algumas pessoas desejavam ardentemente que ele explodisse, sumisse, desaparecesse junto com as suas brincadeiras. Quando chegava, havia uma expectativa do que ele aprontaria. Eram apelidos e brincadeiras muitas vezes que traziam conseqüências desagradáveis, como trocar as correspondências dos amigos e esconder objetos pessoais, que, em muitas vezes provocava discussões que levavam pessoas amigas a se tornarem rivais. Criava histórias macabras e aplicava sustos nos incautos. Assim eram os dias de Valdemar. Em sua casa, a situação era a mesma. Sua esposa estava sempre reclamando das suas brincadeiras e irresponsabilidades. Até seus dois filhos, um de quatro e o outro de seis, não se conformavam com a atitude do pai. Ele atrapalhava as brincadeiras das crianças fazendo seus garotos ficarem com vergonha de seus amiguinhos. Era inconveniente até como pai.
Os pais do Valdemar afirmavam que ele sempre foi assim, chegaram a levá-lo a psicólogos, mas de nada adiantou. Na escola os professores não agüentavam suas brincadeiras.
Estava sempre de castigo e seus pais perderam a quantidade de vezes em que foram convocados pelas diretoras.
Quando Valdemar conheceu Maria Rita, que se tornaria sua esposa, todos acreditavam que ele mudaria. Realmente, por uns meses seu comportamento sofreu algumas alterações, mas no dia do seu casamento, Valdemar escondeu o vestido da mãe da noiva e fez questão de se atrasar, dando a todos a sensação de que havia desistido do casamento. Sua lua-de-mel foi desastrosa, fazendo a sua jovem esposa passar por situações constrangedoras no hotel em que ficaram hospedados. Vieram os filhos, e Valdemar continuava cada vez pior. Na praia, inventava se afogar, movimentando todos os guarda-vidas. No escritório, chegou a colocar fogo numa lixeira, fazendo com que o prédio fosse evacuado. Ninguém acreditava que ele pudesse mudar – era pipa-voada, maluco, irresponsável e inconseqüente. Não tinha noção dos seus atos. Para ele, fazer um amigo chorar, assustar uma pessoa idosa, irritar uma criança eram coisas banais.
Naquela manhã, Valdemar não apareceu para trabalhar. Em sua casa, Valdemar não havia aparecido, mas como era comum ele dormir fora e às vezes ligar dizendo que fora seqüestrado, ninguém ligou para o fato. A família de Valdemar tinha passado uma noite tranqüila e, pela manhã, estava à mesa do café numa paz como há muito não acontecia. Todos acreditando que Valdemar dormira na rua e àquela hora já estaria importunando seus colegas de trabalho. No escritório, seus colegas curtiam um dia feliz sem as terríveis brincadeiras do famigerado. Seu corpo foi encontrado no freezer do prédio onde funcionava sua empresa. Local em que ele havia se escondido, pensando no susto que daria no cozinheiro.
Do Livro DOIS EM CRISE – Editora All Print – 2010–Edison Borba

Nenhum comentário:

Postar um comentário