sábado, 17 de setembro de 2011

A VINGANÇA

Dizem que em matéria de vingança, as mulheres são muito melhores que os homens. Provavelmente seja algo inerente à própria natureza biológica. Capazes de voltar no tempo e lembrar  algo antigo, elas não deixam passar em branco aquilo que já está perdido no tempo. Essa é a história de Zezé e Célio. Ele nem lembrava mais daquela pequena traição, acontecida no carnaval de cinco anos passados e que o nome  da colombina com quem se divertira era Liane. Mas, sua mulher lembrava e, portanto, levou até o fim a sua vingança.
Célio era um homem trabalhador, apenas no carnaval era que ele gostava de aprontar. Sempre orgulhoso com seu uniforme de cobrador de ônibus. Sentia prazer em executar aquele trabalho. Todos os dias, pontualmente,  assumia seu lugar frente à roleta. Os passageiros gostavam de viajar com ele. Era delicado e estava sempre pronto para dar informações e ajudar a todos que embarcavam em “seu” veículo.
Em  casa, esperando-o toda noite, estava sua mulher, carinhosamente chamada por ele de Zezé. Linda morena de olhos castanhos e cabelos escuros. Seu sorriso encantador e apaixonante deixava o coração de Célio acelerado e seu corpo aquecido pela vontade de beber daquela paixão avassaladora que dominava seu coração.
Ovo frito com arroz, feijão com farinha, arroz com feijão, algumas vezes um pedaço de carne. Esse era o almoço que Célio levava em sua marmita.  Para ele era sempre um manjar feito pelas mãos da sua amada.
“O tempero dela! O tempero da Zezé!” Havia algo de mágico em tudo o que ela fazia.
Uma manhã chuvosa, Célio, ao sair para o trabalho,  encontrou a  marmita, como sempre arrumada e embrulhada num belo guardanapo. Estranhou não ver sua mulher acordada para desejar-lhe um bom dia. Ela continuava na cama, dormindo. O lençol cobria o seu corpo, que ele conhecia tão bem. Cada curva, cada detalhe  tão explorados por ele nas quentes noites de amor.
Aproximou-se da cama, roçou seus lábios no rosto dela, de forma bem suave e carinhosa, tentando não acordá-la.
Mesmo sob a forte chuva, ele saiu feliz cantarolando uma música que ele nunca soube a letra. Desceu a rua, dobrou a esquina e chegou até a garagem.
Cumprimentou os amigos, pegou sua caixinha com o troco para os passageiros e acomodou-se em sua cadeira para mais um dia de trabalho.
Após algumas viagens, seu companheiro, o motorista lembrou que já era hora do almoço. Voltaram para a garagem. A chuva havia cessado. Ônibus estacionado. Marmitas abertas. Sorrisos nos lábios e muita conversa.
Célio, como sempre, estendeu o branco guardanapo sobre a mesa. Posicionou os talheres, abriu a marmita e mergulhou na refeição que a sua Zezé havia preparado.
Hoje a comida tinha um gosto especial. O que será que a sua amada havia colocado naquele arroz com feijão e  peito de frango? “Delicioso! Hoje ela caprichou”.
Terminado a almoço, chegou a hora do cochilo. Todos se acomodaram.
Alguns sob as árvores do estacionamento. Outros em cima dos bancos ou deitados no chão.
Passados alguns minutos, era hora de voltar aos  veículos. Um a um, todos se levantaram, exceto Célio que continuava deitado. Seus colegas logo formaram uma roda e iniciaram uma brincadeira. “Acorda, vagabundo! Vamos para o trampo!”
“Levanta, preguiçoso! Chegou a hora de pegarmos no batente! Vamos, camarada!”
Célio permanecia imóvel. Quieto como uma pedra.
Ao chegarem mais perto, perceberam  um líquido verde escorrendo de seus lábios.
O laudo médico acusou envenenamento.
Zezé hoje está cumprindo pena no presídio feminino, onde é a responsável pelas refeições dos funcionários da penitenciária.
                         Do livro DOIS EM CRISE – Editora AllPrint – 2010 - Edison Borba

                         

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