quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A ÚLTIMA PROFESSORA


No dia 2 de dezembro de 1990, Carlos Eduardo Novaes publicou no Jornal “O Dia” a crônica “A ÚLTIMA PROFESSORA”. Creio, que guiado pelos deuses da Literatura, o escritor foi movido por vozes angelicais. Após mais de vinte anos o texto continua perfeito e mais que perfeito para o momento que estamos vivenciando neste final de 2016.

Vai aqui uma boa “dica”, para quem estiver disposto a dedicar alguns minutos nesta leitura, que além de divertida, nos leva a uma séria reflexão. Queira ”Deus” que a profecia não se complete, como está previsto no final do que escreveu Novaes.

Vale a pena conferir! Leia!  Vai valer e pena!   Depois deixe o seu comentário! Edison Borba

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A ÚLTIMA PROFESSORA

                        Carlos Eduardo Novaes

Estamos em 2989 e alguns cientistas, trabalhando nas ruínas de um sítio arqueológico (local outrora conhecido como Jacarepaguá), encontraram uma mandíbula de mulher. Levada ao laboratório, descobriu-se que ela pertencia a uma professora. Não uma professora qualquer, mas provavelmente a última da espécie classificada como de 1º Grau que viveu por volta de 2020 num antigo país chamado Brasil.

No final do séc. XXI, o Brasil que conhecemos se tornou um aglomerado de tribos independentes, expressando-se nos mais diferentes idiomas. A descoberta do que ficou conhecido como a Professora de Jacarepaguá (uma versão mais moderna do Homem de Neanderthal) tornou possível encontrar as razões da dissolução do país.

Buscando nos livros, os cientistas perceberam que houve uma época - entre o início do séc. XX e meados dos anos 50 - em que professores desse extinto país ocupavam uma posição invejável na escala social. As famílias monogâmicas das classes médias (e algumas altas) orgulhavam-se de poderem encaminhar suas filhas para a profissão. Casar com uma professora era a aspiração suprema de muitos homens. Elas eram olhadas com respeito, admiração e desfrutavam de um status semelhante ao dos militares.

Reconhecidas na sua missão histórica de educar, recebiam - acreditem - um salário que chegava ao final do mês. Alguns iam além.

Não se sabe precisar a data, mas parece que foi no final dos anos 70 que o magistério começou a desabar na escala social. Por mais que quebrem a cabeça, nossos cientistas não conseguem entender as razões dessa queda vertiginosa. Não terá sido por falta de escolas, porque o país esforçava-se para entrar na modernidade e necessitava ampliar sua rede escolar. Não terá sido também por falta de quem educar, porque esse atrasado país somava mais de 50 milhões de analfabetos e semiletrados no início dos anos 90. Muito menos pela possibilidade de substituir professoras por robôs, televisores e computadores. Por que então os magistrados passaram a ser tratados como os servos do antigo Egito?

A princípio, suspeitou-se que esse povo atrasado e tropical tivesse uma caixa craniana inferior a das raças desenvolvidas. Mais tarde, encontraram-se outras razões para o declínio do magistério: um complô contra a educação, criado pela classe dominante(10% da população), que detinha mais de 50% da renda nacional. Não interessava a ela ver o saber democratizado, ou seus privilégios estariam ameaçados. Os professores despencaram para os últimos lugares da tabela econômica, equiparando-se aos profissionais (não especializados) mais mal pagos desse triste país. Alguns, ganhando salário-mínimo, recebiam menos do que os operários que ajudaram a levantar os Jardins Suspensos da Babilônia.

O resultado é que, a partir do início do século XXI, o professorado tornou-se uma espécie em extinção. Documentos da época informaram que, quando uma jovem anunciava o desejo de ser professora, a família a colocava de castigo. Era preferível ganhar a vida como chacrete em programa de auditório. Os cientistas pesquisaram o desaparecimento de outras atividades nesse país: funileiro, cocheiro, acendedor de lampiões. Ocorre que esses profissionais foram engolidos pelos avanços da civilização. No caso dos professores, não há progresso nem tecnologia capaz de substituir sua presença. É a professora quem nos leva pela mão na travessia para as primeiras letras. É ela quem nos coloca no ponto de partida e, com uma palmadinha no traseiro, parece dizer:"Agora vai à luta".

Segundo os cientistas, os governos da época, preocupados com questões mais transcendentais, não perceberam a escassez de professores no mercado. Foi preciso que as escolas começassem a fechar e os donos das escolas particulares esperneassem desesperados para o governo tomar providências.

Que providências? Importar professores, como fez com o álcool. No início dava-se preferência à Portugal e às ex-colônias. Mas eles também tinham suas crianças para educar, de modo que o Governo teve que recorrer ao Paraguai, Bolívia, Guianas. Logo, os países desenvolvidos - que já dominavam a cultura do Brasil - perceberam o alcance do negócio e trataram de enviar, gratuitamente, bandos de professores às escolas brasileiras.

O país tornou-se uma Babel. Em algumas regiões, ensinava-se em japonês; em outras, em alemão ou inglês, ou italiano ou espanhol. Em apenas uma única escola, em Jacarepaguá, uma professora resistia, ensinando os alunos em português. Sua morte tornou-se um marco na história da Educação nesse país. Foi enterrada com honras de herói nacional e o monumento ao "Professor Desconhecido", erguido no antigo Centro da Cidade, reproduz seu rosto na figura principal. Ao pé do monumento, os dizeres: " A última professora brasileira, homenagem dos seus ex-alunos." Foi a última frase que se escreveu nesse país em português.

Jornal O Dia, 02/12/90

*************  Valeu a pena ter lido? Qual a sua opinião?

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