No dia 2 de dezembro
de 1990, Carlos Eduardo Novaes publicou no Jornal “O Dia” a crônica “A ÚLTIMA
PROFESSORA”. Creio, que guiado pelos deuses da Literatura, o escritor foi
movido por vozes angelicais. Após mais de vinte anos o texto continua perfeito
e mais que perfeito para o momento que estamos vivenciando neste final de 2016.
Vai aqui uma boa
“dica”, para quem estiver disposto a dedicar alguns minutos nesta leitura, que
além de divertida, nos leva a uma séria reflexão. Queira ”Deus” que a profecia
não se complete, como está previsto no final do que escreveu Novaes.
Vale a pena conferir!
Leia! Vai valer e pena! Depois deixe o seu comentário! Edison Borba
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A ÚLTIMA PROFESSORA
Carlos Eduardo Novaes
Estamos em 2989 e alguns cientistas, trabalhando
nas ruínas de um sítio arqueológico (local outrora conhecido como Jacarepaguá),
encontraram uma mandíbula de mulher. Levada ao laboratório, descobriu-se que
ela pertencia a uma professora. Não uma professora qualquer, mas provavelmente
a última da espécie classificada como de 1º Grau que viveu por volta de 2020
num antigo país chamado Brasil.
No final do séc. XXI, o Brasil que conhecemos se tornou
um aglomerado de tribos independentes, expressando-se nos mais diferentes
idiomas. A descoberta do que ficou conhecido como a Professora de Jacarepaguá
(uma versão mais moderna do Homem de Neanderthal) tornou possível encontrar as
razões da dissolução do país.
Buscando nos livros, os cientistas perceberam que
houve uma época - entre o início do séc. XX e meados dos anos 50 - em que
professores desse extinto país ocupavam uma posição invejável na escala social.
As famílias monogâmicas das classes médias (e algumas altas) orgulhavam-se de
poderem encaminhar suas filhas para a profissão. Casar com uma professora era a
aspiração suprema de muitos homens. Elas eram olhadas com respeito, admiração e
desfrutavam de um status semelhante ao dos militares.
Reconhecidas na sua missão histórica de educar,
recebiam - acreditem - um salário que chegava ao final do mês. Alguns iam além.
Não se sabe precisar a data, mas parece que foi no
final dos anos 70 que o magistério começou a desabar na escala social. Por mais
que quebrem a cabeça, nossos cientistas não conseguem entender as razões dessa
queda vertiginosa. Não terá sido por falta de escolas, porque o país
esforçava-se para entrar na modernidade e necessitava ampliar sua rede escolar.
Não terá sido também por falta de quem educar, porque esse atrasado país somava
mais de 50 milhões de analfabetos e semiletrados no início dos anos 90. Muito
menos pela possibilidade de substituir professoras por robôs, televisores e
computadores. Por que então os magistrados passaram a ser tratados como os
servos do antigo Egito?
A princípio, suspeitou-se que esse povo atrasado e
tropical tivesse uma caixa craniana inferior a das raças desenvolvidas. Mais
tarde, encontraram-se outras razões para o declínio do magistério: um complô
contra a educação, criado pela classe dominante(10% da população), que detinha
mais de 50% da renda nacional. Não interessava a ela ver o saber democratizado,
ou seus privilégios estariam ameaçados. Os professores despencaram para os
últimos lugares da tabela econômica, equiparando-se aos profissionais (não
especializados) mais mal pagos desse triste país. Alguns, ganhando
salário-mínimo, recebiam menos do que os operários que ajudaram a levantar os
Jardins Suspensos da Babilônia.
O resultado é que, a partir do início do século
XXI, o professorado tornou-se uma espécie em extinção. Documentos da época
informaram que, quando uma jovem anunciava o desejo de ser professora, a
família a colocava de castigo. Era preferível ganhar a vida como chacrete em
programa de auditório. Os cientistas pesquisaram o desaparecimento de outras
atividades nesse país: funileiro, cocheiro, acendedor de lampiões. Ocorre que
esses profissionais foram engolidos pelos avanços da civilização. No caso dos
professores, não há progresso nem tecnologia capaz de substituir sua presença.
É a professora quem nos leva pela mão na travessia para as primeiras letras. É
ela quem nos coloca no ponto de partida e, com uma palmadinha no traseiro,
parece dizer:"Agora vai à luta".
Segundo os cientistas, os governos da época,
preocupados com questões mais transcendentais, não perceberam a escassez de
professores no mercado. Foi preciso que as escolas começassem a fechar e os
donos das escolas particulares esperneassem desesperados para o governo tomar
providências.
Que providências? Importar professores, como fez
com o álcool. No início dava-se preferência à Portugal e às ex-colônias. Mas
eles também tinham suas crianças para educar, de modo que o Governo teve que
recorrer ao Paraguai, Bolívia, Guianas. Logo, os países desenvolvidos - que já
dominavam a cultura do Brasil - perceberam o alcance do negócio e trataram de
enviar, gratuitamente, bandos de professores às escolas brasileiras.
O país tornou-se uma Babel. Em algumas regiões,
ensinava-se em japonês; em outras, em alemão ou inglês, ou italiano ou
espanhol. Em apenas uma única escola, em Jacarepaguá, uma professora resistia,
ensinando os alunos em português. Sua morte tornou-se um marco na história da
Educação nesse país. Foi enterrada com honras de herói nacional e o monumento
ao "Professor Desconhecido", erguido no antigo Centro da Cidade,
reproduz seu rosto na figura principal. Ao pé do monumento, os dizeres: "
A última professora brasileira, homenagem dos seus ex-alunos." Foi a última
frase que se escreveu nesse país em português.
Jornal O Dia, 02/12/90
************* Valeu a pena ter lido? Qual a sua
opinião?
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