sábado, 17 de dezembro de 2011

HORA DO ALMOÇO

Cena familiar observada no Bar Aurora, situado no bairro de Botafogo, rio de Janeiro, no dia 14 de dezembro de 2011.
Não é ficção, é um fato real.
Cena: família entra no bar. Casal, provavelmente na faixa etária dos 40 anos. Acompanha um filho (menino), com idade presumível  entre 12 e 14 anos. Completa a família, uma senhora, avó materna do menino. Condição identificada por uma observação ouvida entre as duas mulheres.
Ocupam a mesa em frente a minha. Logo após os pedidos serem feitos ao atento garçom, o pai inicia um longa conversa telefônica, usando o celular. A mãe abre uma revista, que provavelmente era de “fofocas” de famosos. O menino inicia um jogo através de aparelho eletrônico, que ele manipula com maestria. A senhora, dirige seu triste olhar para a televisão do bar, que, sem som, exibia imagens de um programa de esportes.
Nenhum deles trocou qualquer tipo de informação. Nem olhares, nem palavras. Nada. Cada um, mergulhado em seu mundo particular.
A cena me chamou a atenção de tal forma, que resolvi esticar a minha refeição, que já estava no nível da sobremesa. A minha dúvida era perceber até quando a total indiferença que cada um mantinha para com o outro aguentaria.
Comecei a lembrar de Belchior, que num momento de inspiração, nos legou a bela e triste composição, “HORA DO ALMOÇO”.


No centro da sala, diante da mesa, no fundo do prato, comida e tristeza.
A gente se olha, se toca e se cala. E se desentende no instante em que fala.

Cada um guarda mais o seu segredo, sua mão fechada, sua boca aberta,
seu peito deserto, sua mão parada, lacrada, selada, molhada de medo.

Pai na cabeceira: É hora do almoço.
Minha mãe me chama: É hora do almoço.
Minha irmã mais nova, negra cabeleira...
Minha avó me chama: É hora do almoço.

E eu inda sou bem moço pra tanta tristeza.
Deixemos de coisas, cuidemos da vida, senão chega à morte ou coisa parecida,
e nos arrasta moço sem ter visto a vida ou coisa parecida aparecida.



Cada um guardando mais o seu segredo. Isolados em mundos tão diferentes, essas quatro pessoas são uma família. Silenciosos, calados, distraídos com seus brinquedinhos ou com o olhar perdido numa tela muda de televisão, eles almoçaram.
Durante a degustação, a mulher deixou de lado a revista e a senhora, revezada seu olhar entre o prato e o programa da televisão.
O menino conseguia comer e digitar seu joguinho, numa rapidez dos grandes mestres. O pai teve a refeição interrompida algumas  vezes, para atender chamadas de celular.
Ninguém pediu a ninguém, que passasse o saleiro. Comeram e beberam sem emitirem nenhuma opinião sobre o sabor de cada prato.
Diferente da hora do almoço de Belchior, não houve desentendimento, porque não havia conhecimento das presenças. Os quatro almoçaram sozinhos.  Cada um saboreou o seu pedido particularmente. Solitariamente. Tristemente.
Não sei como terminou esse almoço de família. Me retirei do bar, antes que eles pedissem a sobremesa. Uma grande melancolia me acompanhou pela rua. Busquei encontrar em meus pensamentos o conceito de família.
Horas de refeição unindo pais, filhos e avós. Cenas de carinho e afeto. Hora do almoço, hora de encontro e de demonstrações de amor. Hora de conversa animada e de boas risadas.
Partir o pão é partilhar a vida!
Triste cena familiar. Hora do almoço. Que almoço?
Edison Borba

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