segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SERÁ QUE A GENTE SE ACOSTUMA?

Homens, mulheres, jovens e até crianças vagam desordenadamente. Andar cambaleante,  como zumbis, num vai-e-vem sem destino. Alguns estão sentados no chão, pernas encolhidas contra o corpo apóiam seus rostos sobre os joelhos. Uma grávida encostada na parede olha para o céu. Lixo por todos os lados atrai insetos e ratos. Uma multidão de aflitos busca no crack a realização dos seus sonhos.
Difícil acreditar que estamos diante de seres humanos. Difícil acreditar que um dia todos estiveram aconchegados em úteros. Difícil acreditar que um dia eles foram bebes. Difícil acreditar que um dia sorriram e brincaram com qualquer criança. Impossível aceitar essa degradação. Impossível fechar os olhos para essa cena. Impossível acreditar que esse macabro encontro de seres “quase” humanos esteja acontecendo agora em algumas ruas brasileiras. Estamos nos regozijando por uma economia crescente. Estamos festejando um bom momento financeiro. Estamos brindando a possibilidade da crise européia não chegar até nós.
Mas, ainda estamos chorando, ainda, pelas desigualdades sociais. Por desvios de verbas. Por malandragens políticas e tantos outros descalabros ao sul do equador.
Foi com horror, que mais uma vez a televisão brasileira, apresentou ao vivo e a cores uma cracolândia, nesse caso, a que funciona no centro da cidade de São Paulo. A situação foi tão irreal, tão bizarra que fomos levados a pensar  em montagem, com atores representando uma grande cena de tragédia. Horário do almoço e lá estavam os “craqueiros” circulando naturalmente, como se a situação fosse a mais normal possível.
As cracolândias são apenas pontas de icebergs de misérias. Nossos males são endêmicos. Sistemáticos. Ocorrem em ciclos que aumentam a sua circunferência gradativamente. No início assustam, depois são se entrelaçando no cotidiano e passam a ser vistos como uma “normalidade”.
Lembrando uma antiga e excelente crônica, de Marina Colasanti, “Eu sei, mas não devia”.
“ A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá”.
Até quando vamos ter que nos acostumar a tanta crueldade? Até quando vamos ter que conviver com as cracolândias? Até quando vamos entender como normal, aquilo que é anormal?
Nós sabemos distinguir o certo do errado, mas nos faltam forças. Talvez coragem, ou quem sabe já nos acostumamos e, numa atitude egocêntrica ...
“A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”.
A Marina Colasanti com muito respeito e admiração.

Edison Borba

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