segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O FUNERAL

Dona Absinta, 97 anos, oito filhos, cinco noras e três genros. Netos e alguns bisnetos formavam o seu quadro familiar.
Há vários anos, vó  Bsin (como era conhecida), fazia que ia morrer, às vésperas do Natal e nada acontecia. A velha senhora, sempre renascia das cinzas para mais um ano de expectativas da sua prole.
Como de costume, este ano, com a chegada da data máxima da Cristandade, a senhorinha iniciou os seus “estertores”.  Em pouco tempo a casa estava tomada por todos os interessados na “saúde” de Dona Absinta. A  querida vovó era possuidora de um vasto patrimônio. Entre imóveis, jóias e dinheiro em bancos  uma boa fortuna esperava para ser consumida. Porém, havia também um testamento, guardado a sete chaves no cofre de um banco. Somente o gerente e testamenteiro, tinha acesso ao documento, que só poderia ser aberto após a passagem da vó Bsin para o “andar de cima”.
Este já era o quinto ano de expectativas da família. Mais uma vez, estavam todos reunidos em torno do leito da quase   possível “moribunda”, aguardando que a mesma comprasse a passagem sem volta para o além.
Na vasta residência da família, todos os interessados aguardavam a notícia, boa ou má, dependendo do ponto de vista de cada um. No quarto, uma equipe de médicos e enfermeiros, “cuidava” para que a “querida” vovozinha partisse com o maior conforto possível.
Foi então que se deu a tragédia. O médico que acompanhava o desenvolvimento do quadro clínico atestou a falecimento da amada vovó.
Lágrimas escorreram por trás das lentes dos escuros óculos, que a maioria usava, para esconder as suas “dores”. Alguns lamentos e soluços também foram ouvidos. Um a um os queridos e possíveis herdeiros desfilaram diante da defunta.
Após a visitação, apenas a equipe médica pode ficar junto ao corpo da veneranda senhora. Todos os parentes se ausentaram para cuidar das exéquias. A porta do quarto foi fechada, para evitar constrangimentos aos sofridos familiares.
Passado o primeiro momento de emoção, a família seguiu  para a segunda parte do espetáculo, isto é, cuidar dos funerais. Era necessário que fosse algo de luxo, condizente com a condição financeira da falecida. Teria que ser um caixão de primeira qualidade, flores de raras espécies, muito luxo e pompa para àquela que estava deixando uma boa vida a partir da sua “boa” morte.
Capela alugada, caixão e flores comprados, comunicados distribuídos, avisos em jornais informando dia, hora, e local da cerimônia fúnebre a família se reuniu para marcar a data da abertura do testamento. Trancados na biblioteca da mansão, agendaram para a manhã seguinte ao funeral. A desconfiança entre os herdeiros era tanta que ficou acertado que todos deveriam comparecer, munidos de documentos comprobatórios de seu real parentesco com vó Absin.  E assim foi escrito. E assim seria cumprido.
Chegada a hora da cerimônia. Toda a família enlutada e sofrida derramava furtivas (em duplo sentido) lágrimas pela parenta morta. No salão da capela muitos amigos e até curiosos lotavam o local. Um clima de consternação pairava no luxuoso ambiente.
Foi então que uma das filhas da querida Absin, num momento de profunda dor, pediu para que o caixão fosse aberto. Queria ela, dar um último abraço na sua mamãezinha. Apesar dos protestos de alguns irmãos e cunhados e também cunhadas, foi feita a vontade da sofrida filha.
Tampa da luxuosa urna foi retirada e lá dentro encontraram um bilhete: “ainda não foi dessa vez que vocês irão herdar minha fortuna. Eu e minha equipe de médicos e enfermeiros estamos no Havaí. Todos de sarongue dançando o hula-hula. Beijinhos da vó Bsin”.
P.S. – Não esqueçam de pagar o funeral!
A filha, desmaiada, foi socorrida no Hospital mais próximo da capela!

Edison Borba




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